quarta-feira, 2 de maio de 2012

Ninguém me Conhece: 64) Os mil rostos de Alê Cueva

Quem não souber não tente fazer isso em casa! É um trabalho que requer seriedade e concentração. Existe toda uma técnica envolvida. Qualquer vacilo... E lá se vai uma unha! Aprendi só de olhar, pois costumava ficar ali, embasbacado que nem criança quando observa um adulto realizar ante seus olhos infantis o mais ininteligível dos trabalhos. Esquecia-me até de mim. E ele, apesar da concentração (um olho na lixa, outro nas unhas), podia dissertar acerca de qualquer assunto ao mesmo tempo que as lixava, como se estivesse se lixando pro que fazia, ou, melhor, como se o trabalho que estava realizando já se tivesse incorporado a seu ser a ponto de não lhe oferecer riscos mesmo quando ele erguia os olhos e fixava-os em seu interlocutor (nem assim errava o alvo!).

1) Melancólica (Alê CuevaÁlvaro Cueva)

A seriedade com que Alê Cueva lixava as unhas pode parecer algo irrelevante, mas é um exemplo perfeito de como age este meticuloso maestro das cordas. Ele é assim, sério e respeitoso no trato com os vários instrumentos de corda que domina (de quebra, ainda é percussionista), mas essa seriedade toda mascara um camarada com os mil rostos do título acima (roubado de sua canção Melancólica, pra quem não percebeu), dos mais bem-humorados que já tive o prazer de conhecer. O relato do parágrafo anterior acontecia sempre que nos encontrávamos pra ensaiar ou compor com a trupe do 4+1 (que éramos Alê, eu, seu irmão Álvaro, Kana e Marcio Policastro).

Acho que seu método pode ser resumido em concentração e serenidade. São duas qualidades bem dosadas na arte de Alê que fazem dele um primoroso músico e, além do mais, excelente arranjador. Não à toa esteve por trás de dois discos que são verdadeiras obras-primas inclusive fora do universo que as gerou, que é o Clube Caiubi. Falo de Canabis Emotiva, de seu irmão Álvaro Cueva, e de Já Era Hora, de seu pai, Affonso Moraes. Neste último disco, aliás, Alê demonstrou que pode ser também um grande intérprete de canções alheias; ao ouvir sua interpretação de Cantando em Dó, do Fonsão Pai, fui levado às lágrimas mais de uma vez.

Em seu curriculum vitae consta que, com o Choro da Vila (grupo de choro, obviamente), fez, em Londres, a abertura de um show de João Gilberto. Mas isso é só um detalhe na carreira do jovem e já tão "rodado" músico, que acompanhou nomes como Billy Blanco, Marília Medalha e Fabiana Cozza, entre tantos (e entrementes). Por falar em entrementes, só no Caiubi, por exemplo, acompanhou meio mundo em tantas segundas autorais; e, profissional que é, foi sempre um dos que incentivaram o clube a dar uma guinada rumo ao profissionalismo, mantendo seu violão e seus arranjos a serviço dos companheiros caiubistas.

Oriundo de família de advogados, chegou a começar um curso de direito, mas pensou direito e, ousadamente, trocou as pautas contratuais pelas musicais, o que, em seu caso, não foi mero capricho de quem quer viver na flauta, pois o malandro rala que só, sempre metido em ensaios, shows, arranjos... E, enquanto descansa, carrega pedra, digo, vive de lixa a postos, mas não por mera estética de metrossexual, e sim por necessidade, pois suas bem cuidadas unhas o ajudam a tirar um melhor som dos instrumentos que toca.

2) Depois de Você (Alê Cueva - Álvaro Cueva)

Ah, é preciso tratar de outra faceta sua. Tanto requinte musical não poderia deixar de resultar também num compositor de belas e inusitadas melodias amparadas por harmonias de quem conhece do riscado. Uma das ironias do destino, contudo, é que Alê, apesar de ser um camarada de apurada inteligência, não se mete a compor letras. Pra sorte do irmão Álvaro, que acaba ganhando o invejável privilégio de ser o letrista da maioria das melodias daquele. Álvaro, aliás, fominha como é, raramente permite ao irmão uma pulada de cerca musical. Ainda bem que deixou o cachimbo cair uma ou duas vezes, e lá estava eu, de plantão.

Tendo sempre o trabalho de músico e arranjador em primeiro plano, Alê acaba quase não tendo tempo pra terminar seu próprio disco. Se bem que, pelo que me informaram, seu trabalho em trio com Álvaro e Leonardo Costa, o Todos Acordes, vai de vento em popa. Com este último também atua no Comboio de Cordas, elogiado projeto paulistano dedicado à música instrumental, mais precisamente de violões.

Mas Alê também não está livre dos erros que cometeu no passado. Quando fazia parte do 4+1 vivia querendo arranjar um modo de se desvincular das obrigações com o grupo, mas acabava sempre, como um viciado, frequentando de novo e de novo as fatais reuniões compositivas que seu bando (mais que sua banda) arquitetava, e saía delas quase sempre respingado como coautor de canções nada memoráveis (pra dizer o mínimo). Com o fim do grupo, respirou aliviado, achando que tal obra iria ficar pra todo o sempre escondida num baú de cinco chaves, mas viu-se, de repente, aviltado por Marcio Policastro, que em seu disco solo resolveu ressuscitar a tenebrosa canção com o acertado título de Cine Trash!

O desavisado leitor deverá estar se perguntando o que uma inocente canção de hermoso título poderia ter de tão repreensível a ponto de manchar o nome de seu autor. Explico-lhe, caro leitor: nessa canção, que brinca de trocar de ritmos e abusa de expressões de baixo calão, Alê, talvez após o consumo de alguma substância não recomendada pela família e pelos bons costumes, justo ele, que jamais compusera uma letra, estreia como letrista dando uma demonstração de despudor e desfaçatez de deixar rubro Mr. Hyde. Como a letra é impublicável neste espaço de censura livre, resumo-a dizendo que, além de carregar no nonsense, traz pitadas de impotência sexual e pedofilia à la Nabokov. E o despudorado Alê, em vez de renegar tal autoria, opta pelo contrário, por participar da faixa cantando!

3) Onírica (Alê Cueva - Léo Nogueira)

Esperemos pra ver se a erudição do compositor sobreviverá ao lançamento deste profano disco de Policastro. Não "perdam"! São Tomé já reservou seu exemplar. Tenho cá pra mim que o sr. Alexandre Cueva, famoso por evadir-se às aulas de direito e por ser adepto de recitais violonísticos, precisará de lixas maiores, e não pra suas unhas ("Nessa eu punha!")...

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Alê também está no Caiubi.

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4 comentários:

  1. Adorei o texto, Léo! À altura do grande artista e amigo que é meu irmão. Mas não posso me furtar à correção. Sua primeira letra não foi 'Cine Trash', mas 'Funck Dolores', que só não é mais impublicável ainda porque já estreou em vinil, há uns 23 aninhos. 'Fuck, fuck...!' Abs;

    Álvaro

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    1. Valeu pela correção, mano Álvaro! Então Alê é reincidente! Hahaha!

      Abração do
      Léo.

      P.S. E minha caneta?

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    2. Tá toda segunda lá no Caiubí! KKKKK!!

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    3. Então não gasta a tinta, que segunda eu tô lá!

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